sábado, 21 de março de 2015

Muito mais do que uma teimosia

Sabe aquela história de que “suas atitudes falam tão alto que nem ouço o que você diz?” Bem, a vida inteira tenho ouvido que sou uma pessoa teimosa – afirmação essa que ganha um peso especial por ter nascido no começo do mês de maio. Assim, por mais que eu sempre tenha argumentado que “não, não sou teimosa, simplesmente preciso de razões boas para ser convencida”, esse rótulo tem me acompanhado a vida toda e eu adquiri o hábito de me auto questionar silenciosa e constantemente: “por que insisto em determinado assunto? Meus argumentos (tenho argumentos?) são válidos?” são perguntas que me faço sempre que alguma discussão dura tempo demais ou quando o mundo todo parece ter uma opinião contrária à minha.

O último episódio do tipo foi a questão do carro. Só para ajudar a entender o drama, no final de 2012, um ano depois de começar um trabalho a exatos 22 km de casa, decidi vender meu pequeno possante e adotar um modo mais sustentável de vida. Afinal, entre sustentar um automóvel a semana toda na garagem ou cultivar estresse e gasto dirigindo 50 km/dia, preferi desapegar. Não posso dizer que a mudança tenha sido exatamente fácil. O carro, para mim, sempre foi um sinônimo de independência, meu companheiro de inúmeras histórias. Além disso, tive que lidar com a descrença de meus próprios pais de que seria possível viver sem carro em São Paulo. Mas, a verdade é que depois de cerca de um ano da decisão, consegui o tal estilo de vida mais saudável, andando de transporte público, bike e eventuais táxis e algumas caronas. Foi aí que o universo decidiu que eu tinha passado de fase e deveria ir para um nível mais difícil, chamado “como viver sem carro em Brasília”, ou, ainda melhor, “é possível viver sem carro em Brasília?”.

A princípio, todo mundo (no mínimo 9 entre 10 pessoas) me dizia que não. Distâncias grandes, um trânsito menor que o paulistano, inúmeros locais sem calçadas e um transporte público com severas restrições fazem com que o carro seja mesmo o veículo mais prático na capital federal. Além disso, em questão de moradia, a Asa Norte possui apartamentos mais novos e um pouco mais baratos do que os do outro lado (mais perto do aeroporto e do trabalho). Sobre as outras questões, manter um veículo seria um gasto a mais, claro, mas factível. Então, qual era o motivo desse sentimento tão ruim toda vez que pensava em voltar a ser motorizada?

Foi durante essa autoanálise que percebi que o problema não era o carro, mas eu. O eu motorizada me lembra aquela pessoa insana,que faz mil coisas ao mesmo tempo, não respira, não pensa, dorme pouco, vira a noite trabalhando,vai para o bar e volta dirigindo... bate o carro. Por sorte, nunca houve nada muito mais sério, mas em uma das vezes em que estava nesse ritmo frenético e exagerei na dose, muito antes da Lei Seca, dormi e quase entrei debaixo de um caminhão parado. O reflexo de último segundo me livrou da batida, mas não de ter aberto toda a lateral do carro, como uma lata de sardinha.

Eu sempre soube que esse evento tinha me marcado, mas talvez não imaginasse que era tanto. O resultado disso é que hoje, mesmo que semi inconscientemente, associo o ter um carro com a possibilidade de voltar a esse ritmo louco - e se o ditado diz que não se dá asas a cobras, também não deve se dar rodas a quem não tem freio. Obviamente, pesa ainda a questão ambiental, que fica cada vez mais presente na minha vida, mas o fato é que o carro traz para mim uma descrição que eu não quero. Não nesse momento. Estou feliz com a pessoa que tenho me tornado e um carro - pelo menos para mim, no espelho mudaria um pouco essa descrição. Finalmente tranquila comigo mesma cheguei à conclusão de que talvez um dia eu pense “como fui boba em perder tanto tempo”, mas, por ora, seja por teimosia ou não, vou continuar batendo a cabeça na parede - conscientemente - e ter somente a chave de casa no chaveiro. Partiu, Asa Sul.

Nenhum comentário:

Postar um comentário