domingo, 22 de março de 2015

Medo

Não é com alegria que cheguei à conclusão de que o sentimento que me acompanhou nos últimos dias foi um cujo nome é até sonoro, mas cujas quatro letras juntas são tristes: MEDO!
E ele apareceu em minha vida em vários momentos, por diversas razões.
Houve vezes em que fui prática, tomei atitudes como guardar celular, fechar a bolsa, andar rápido, respirar fundo e pedir para Deus me proteger. Noutras, consegui aparentar uma frieza e segurança que estavam longe de refletir minha real situação _e, numa delas, desatei a chorar quando o alívio veio após um momento de grande tensão.
Tenho me sentindo frágil, mais insegura, sujeita às periculosidades, temerosa, aflita, coisas que não são compatíveis com a imagem que tenho de mim mesma. Sempre fui a garota de São Paulo, brasileira que sabe fazer cara de "sou da área" e andar em meio da malandragem, ilesa aos perigos. Mantinha  o olhar alerta e fugia de situações de risco, claro, mas era destemida.
Não mais.
Depois que fui assaltada (que foi a primeira a a última vez) e estive num ônibus onde teve um arrastão, passei a ser uma franguinha. Tenho medo de sombras_que não as minhas, desconfio das pessoas, fico pensando quarenta mil coisas, achando que todas as pessoas podem ser maldosas ou querem fazer mal.
E odeio este pensamento pessimista e medroso, esse dark side que existe e que eu sempre tento jogar para escanteio.
Se tudo o que se passa em minha mente se tornasse realidade (toc toc toc), hoje, mesmo, eu teria sido sequestrada e feito refém de moradores de um conjunto habitacional. Fui lá fazer matéria sobre a falta de água (eles ficaram 33h sem água e bloquearam a rua em protesto, ontem. Meu papel era pegar histórias de pessoas que sofreram mais com a falta de água).
Ao chegar não achei o lugar feio _pelo contrário, se fosse mais bem localizado e com vizinhança melhor eu até moraria lá, tamanha a graciosidade dos prédios. Da calçada, entrevistei uma mulher, simpática, tudo ok. Ela chamou outra, que pediu para conversarmos lá dentro. Ok, estava começando a chover e eu não estava afim de ficar molhada. Achei de boa e entrei com ela.
Passamos por umas crianças brincando, achei o ambiente amigável, as pessoas me olhando mas ok, eu era realmente uma estranha no ninho. Paramos em frente ao ap de uma mulher, no térreo, e eu parei na porta para conversar ali mesmo com elas. Uma jogou uma chave para outra, chegou mais um cara e eles começaram a adentrar mais o predinho _para começo da minha tortura mental. Eu não queria ir, disse que podia as entrevistar ali, mas o argumento que uma delas me deu foi plausível: "se ficarmos aí, vai juntar uma multidão querendo falar". Fato. Meus passos os seguiram na inércia, enquanto minha mente dizia para não ir. Alguns passos depois chegamos em uma porta, que, aberta com a chave, dava para um corredorzinho e uma outra porta no fundo. "Fodeu", pensei, enquanto meus neurônios discutiam um com o outro sobre qual a razão de eles quererem me sequestrar, sendo que eu estava ali para fazer uma denúncia positiva para eles. "Mas com vc eles podem chamar a atenção e conseguir mais regalias", argumentava o lado negro do cérebro.
Não tinha o oque fazer. Eu já estava li, sozinha, então o jeito era acalmar e fingir que estava tudo bem.
Entrei, sentei, sorri e comecei a falar sobre como eles foram prejudicados, do descaso e bla bla bla. Eles começaram a reclamar do governo, dos policiais, de tudo, e eu acalmei. A entrevista seguiu. "Costuma ter arrastão aqui", "aqui só tem gente carente", "conversamos com os caras que fazem arrastão e..." e um ou outro cochicho fizeram minha barriga estremecer (ok, eu tb estava com fome). Sei que já tinha material necessário e não aguentava mais ficar naquela salinha claustrofóbica. Agradeci e tratei de ir embora dali.
"É um lugar da pesada", disse o motorista do carro, quando eu entrei no carro.
"É, percebi", respondi, respirando aliviada por ter vencido mais uma batalha contra esse medo avassalador.

sábado, 21 de março de 2015

Muito mais do que uma teimosia

Sabe aquela história de que “suas atitudes falam tão alto que nem ouço o que você diz?” Bem, a vida inteira tenho ouvido que sou uma pessoa teimosa – afirmação essa que ganha um peso especial por ter nascido no começo do mês de maio. Assim, por mais que eu sempre tenha argumentado que “não, não sou teimosa, simplesmente preciso de razões boas para ser convencida”, esse rótulo tem me acompanhado a vida toda e eu adquiri o hábito de me auto questionar silenciosa e constantemente: “por que insisto em determinado assunto? Meus argumentos (tenho argumentos?) são válidos?” são perguntas que me faço sempre que alguma discussão dura tempo demais ou quando o mundo todo parece ter uma opinião contrária à minha.

O último episódio do tipo foi a questão do carro. Só para ajudar a entender o drama, no final de 2012, um ano depois de começar um trabalho a exatos 22 km de casa, decidi vender meu pequeno possante e adotar um modo mais sustentável de vida. Afinal, entre sustentar um automóvel a semana toda na garagem ou cultivar estresse e gasto dirigindo 50 km/dia, preferi desapegar. Não posso dizer que a mudança tenha sido exatamente fácil. O carro, para mim, sempre foi um sinônimo de independência, meu companheiro de inúmeras histórias. Além disso, tive que lidar com a descrença de meus próprios pais de que seria possível viver sem carro em São Paulo. Mas, a verdade é que depois de cerca de um ano da decisão, consegui o tal estilo de vida mais saudável, andando de transporte público, bike e eventuais táxis e algumas caronas. Foi aí que o universo decidiu que eu tinha passado de fase e deveria ir para um nível mais difícil, chamado “como viver sem carro em Brasília”, ou, ainda melhor, “é possível viver sem carro em Brasília?”.

A princípio, todo mundo (no mínimo 9 entre 10 pessoas) me dizia que não. Distâncias grandes, um trânsito menor que o paulistano, inúmeros locais sem calçadas e um transporte público com severas restrições fazem com que o carro seja mesmo o veículo mais prático na capital federal. Além disso, em questão de moradia, a Asa Norte possui apartamentos mais novos e um pouco mais baratos do que os do outro lado (mais perto do aeroporto e do trabalho). Sobre as outras questões, manter um veículo seria um gasto a mais, claro, mas factível. Então, qual era o motivo desse sentimento tão ruim toda vez que pensava em voltar a ser motorizada?

Foi durante essa autoanálise que percebi que o problema não era o carro, mas eu. O eu motorizada me lembra aquela pessoa insana,que faz mil coisas ao mesmo tempo, não respira, não pensa, dorme pouco, vira a noite trabalhando,vai para o bar e volta dirigindo... bate o carro. Por sorte, nunca houve nada muito mais sério, mas em uma das vezes em que estava nesse ritmo frenético e exagerei na dose, muito antes da Lei Seca, dormi e quase entrei debaixo de um caminhão parado. O reflexo de último segundo me livrou da batida, mas não de ter aberto toda a lateral do carro, como uma lata de sardinha.

Eu sempre soube que esse evento tinha me marcado, mas talvez não imaginasse que era tanto. O resultado disso é que hoje, mesmo que semi inconscientemente, associo o ter um carro com a possibilidade de voltar a esse ritmo louco - e se o ditado diz que não se dá asas a cobras, também não deve se dar rodas a quem não tem freio. Obviamente, pesa ainda a questão ambiental, que fica cada vez mais presente na minha vida, mas o fato é que o carro traz para mim uma descrição que eu não quero. Não nesse momento. Estou feliz com a pessoa que tenho me tornado e um carro - pelo menos para mim, no espelho mudaria um pouco essa descrição. Finalmente tranquila comigo mesma cheguei à conclusão de que talvez um dia eu pense “como fui boba em perder tanto tempo”, mas, por ora, seja por teimosia ou não, vou continuar batendo a cabeça na parede - conscientemente - e ter somente a chave de casa no chaveiro. Partiu, Asa Sul.